Administração

Daniel Martinez
3 min readOct 13, 2024

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Foto de Craig Whitehead na Unsplash

O trabalhador entra no busão que, quase sempre no horário das seis da manhã, já não oferece mais assento disponível. Quando sim, são aqueles duplos com pouco espaço para duas pessoas. Passa a roleta lentamente para ganhar tempo na análise e repete a mesma estratégia de sempre: avaliar o mais rápido possível a largura dos quadris e escolher o menor, obviamente. Não é por nada, ele pensa, mas é que com quadril largo ao lado, só cabe meia bunda do outro.

Nesse dia especificamente encontra lá no fundo do ônibus sua colega de trabalho, e está com sorte, pois a fulana oferta pouco volume nas nádegas.

_ Oi! Posso sentar?

_ Claro.

_ Tudo bem?

_ Vamo indo, né!

_ É o jeito!

A interrupção do diálogo abre espaço para o barulho alto do motor e o ranger estridente das estruturas metálicas. Impressionante como não se ouve ninguém, somente barulho. A rigidez dos corpos pela inconveniência gerada diante do contato físico inevitável, mesmo os dois sendo finos, causa dores. O constrangimento é instaurado, mas ele corajosamente rompe o silêncio.

_ Ônibus barulhento, né?

_ Muito.

_ O que será esse rangido?

_ Qual?

_ Esse — apontando para o ar.

_ Ah…

_ Ônibus velho, né?

_ Muito.

Percebendo a dificuldade no diálogo, resolve iniciar um assunto sobre o qual havia refletido dias atrás.

_ Você já pensou que, por ser uma viagem intermunicipal, deveríamos estar com cinto e todos sentados?

_ Não…

_ Pois é, já imaginou se esse ônibus bater ou frear bruscamente nessa estrada, o que aconteceria com a gente?

_ Nossa!

Sem desistir da conversa, ele insiste.

_ O mais absurdo é que, nesse instante, nossas vidas já estão precificadas. A contabilidade da empresa já inclui, nos seus custos, processos indenizatórios para cobrir eventuais acidentes.

Ela levanta a sobrancelha. Silêncio e barulho. De forma inesperada, muda completamente o rumo da conversa.

_ Interessante uma coisa — diz com expressão pensativa. Quantas pessoas será que tem aqui?

E começando a entortar a cabeça para os lados, conta os passageiros presentes com os olhos. E continua:

_ Se forem quarenta pessoas vezes a passagem, considerando uma média de quatro reais, isso dá, deixa eu ver… cento e sessenta reais.

Se excitou, arregalando um pouco os olhos.

_ Se, durante esse percurso, houver um fluxo de sessenta passageiros, são duzentos e quarenta reais. Se forem, em média, doze viagens dessas por dia, dois mil e quatrocentos reais. Quantos ônibus desses será que a empresa tem somente para esse trajeto, hein?

_ É…

Digitando na calculadora e falando ao mesmo tempo, ela pondera:

_ Claro que temos os custos, né?

_ Sim — era o máximo que ele conseguia responder.

_ Bom, vamos lá! Motorista, combustível, manutenção… Qual era o nome daquele custo sobre morte, acidente, que tinha dito, mesmo? O custo da vida, né? — pensou.

_ Indenização.

_ Isso!

Calcula, sorri e dispara:

_ Vixi!

_ Quê?

_ Não é que os filhos da puta sabem ganhar dinheiro!

Enquanto ele levanta a sobrancelha, ela finaliza:

_ É que estudo administração.

[texto escrito no ano de 2023 — revisado por Marcos Almeida]

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